A cultura moderna tornou-se incapaz de tal ênfase, pois trata-se de uma cultura alimentada pelo racionalismo, a investigação, o utilitarismo. Se se pedir à cultura moderna para considerar o espírito enfático da magia, a identificação do nosso corpo com a matéria e as formas, toda a modernidade desaba. 

Herberto Hélder

As coordenadas da nossa identidade são dadas pela distância que colocamos entre nós e os outros. É assim que nos redefinimos diariamente: por nossa vontade e por mero acaso. Contudo, não podemos aproximar-nos de alguma coisa sem nos afastarmos do seu contrário. Por isso, a ideia de proximidade não existe sem a sua negação. Estar próximo deixa-nos perceber o que queremos e mesmo o que não queremos, dando até a percepção daquilo de que fugimos. Estaremos cada vez mais perto daquilo que não gostamos? 

A força da atração rivaliza com o alheamento da distância. Através do nosso empenho em enunciar aquilo que nos desagrada, não acabamos sempre mais próximos daquilo que rejeitamos? Um frente-a-frente ou uma vizinha do lado. Um versus ou uma parceria. Não significam o confronto de duas unidades estanques, puras, de duas (id)entidades autossuficientes, mas antes uma rede, um contágio, um trânsito contínuo dos olhos nos olhos numa esquizofrenia do olhar.

Vivemos hoje inevitavelmente entre estranhos? Hoje, parecemos mais próximos do que nunca: há sempre alguém em nosso redor. Da apropriação do familiar à presença virtual, procuramos estar mais presentes mesmo longe. Criamos redes e catalogamos. Deixamo-nos contaminar, fundir e aculturar pelas afinidades.

Nunca antes o “outro” estendeu tantas pontes para o “eu”. Para ser próximo de alguém, há que usar os pontos cardeais do outro. 

Vamos encontrar-nos por cima, de frente, em baixo, na voz, no corpo, mas sempre de lado...ou lado a lado.